Em política, os aproveitamentos e oportunismos são, via de regra, sempre perigosos, razão pela qual mais do que fazer vingar a regra do vale tudo é importante ponderar também as suas implicações. Mas o regime de sua majestade o rei de Angola, José Eduardo dos Santos, está-se nas tintas para isso.
Por Óscar Cabinda
Trata-se de actos que em vez de repararem um mal ou proporcionar alguma vantagem acabam por produzir efeitos nefastos para o jogo democrático (isto nas democracias), além de revelarem pobreza e fraqueza dos seus proponentes.
Estar no Governo (ou ser o partido que faz tudo o que ele quer) no activismo cívico e nas outras formas de influência junto das instituições deveria obedecer a regras e as leis são muito claras sobre as referidas formas de ser e estar. Não há dúvidas de que, somando as regras e procedimentos, os actores políticos precisam também de fazer prova de que estão à altura dos desafios que os espera na oposição ou no poder. Se bem que, no caso, o MPLA só saiba o que é estar no poder. Está lá desde a independência.
Vale lembrar que um recurso recorrente aos aproveitamentos políticos revela também a natureza e dimensão errática da entidade colectiva ou singular que a eles recorre. O MPLA é um paradigma disso. Representa, em grande parte, o vazio no que diz respeito às propostas concretas e soluções para os principais problemas das populações por parte das forças políticas que se encontram na oposição.
Os actores políticos nacionais não podem perder de vista que, além do exercício elementar da conquista e manutenção do poder político (que o MPLA conquistou pelas armas e mantém pelas armas), pende sobre os mesmos numerosas responsabilidades. Tal como dispõe a Constituição da República, as formações políticas, a começar pelo MPLA, devem primar pela salvaguarda da integridade territorial, pela consolidação da nação angolana e da independência nacional, pela protecção das liberdades fundamentais e dos direitos da pessoa humana, entre outras atribuições. Têm responsabilidades pedagógicas não apenas sobre as suas bases de apoio, mas sobre as populações em geral porque a preparação e amadurecimento do povo é de suma importância para todos.
Temos um território vasto em que, por razões ligadas à distribuição das populações em todo o país, agravaram em muitos aspectos esforços e iniciativas no sentido do ordenamento territorial e sobre as formas regulares de acesso à terra.
Deveria haver, mas não há, um compromisso da parte das instituições do Estado para reverter inúmeras situações relacionadas com o acesso e usufruto da terra, facto que deve ser devidamente acompanhado por todos na sociedade. Temos de assegurar, por via de comportamentos e atitudes consentâneos com as leis, valores e tradições, que o Estado seja capaz de implementar o Programa Nacional do Urbanismo e Habitação em todo o país. Até agora, ao fim de mais de 40 anos, ainda não foi capaz.
Para este e outros fins, o Estado possui Reservas Fundiárias em todo o país, espaços devidamente cadastrados e que, como a designação atesta, visam dar garantias de que não faltem ao Estado espaços territoriais para os fins que dizem respeito a todos nós. E fazer a pedagogia sobre essas e outras matérias, tendo como fim último a preparação e educação das populações para uma melhor interacção com as instituições do Estado deve ser também tarefa das forças políticas, a começar pelo MPLA que é sinónimo de Estado. Estarão, com este exercício, a ajudar-se a si mesmas também na medida em que, como é natural numa democracia (quando esta existe), terão eventualmente facilitada a tarefa da governação.
Acreditamos que o exercício de governação política, independentemente do tempo, constitui um teste que prova em grande medida o grau de preparação, responsabilidade e sentido de Estado das entidades e individualidades nesta condição. Não há razão para que, por força de alguma frustração política, ausência de uma agenda que atraia o eleitorado ou por desgaste, o MPLA inove usando como estratégia o vale tudo. Transformar as populações ou parte daquilo que é a actuação de algumas franjas da população como arma de arremesso contra a Oposição constitui um, mais um, precedente grave, salvo – e é o caso – se o MPLA assim procede bisando a perpetuação no Poder.
Quem, colectiva ou individualmente, insta as populações para – respeitando a Lei – se insurgirem contra o nepotismo das autoridades, ocuparem as reservas fundiárias usurpadas pelo Estado, entre outras práticas que atentam contra o regime ditatorial do MPLA, está apenas a tentar que Angola seja um Estado Democrático de Direito.
Angola não pode ter como paradigma do processo democrático, que um dia chegará, manifestações de oportunismo e aproveitamentos vindas de um regime que se julga – como nos tempos do partido único – ser o único partido no país.
Precisamos de evoluir com forças políticas capazes de estarem à altura dos desafios que os tempos de paz, democracia e esforços no campo económico e social para a construção de uma sociedade livre, justa, democrática, solidária, de paz, igualdade e progresso social, exigem de todos. De todos pressupõe, é claro, também e sobretudo do MPLA.
Urge relançar o repto ao MPLA para que seja capaz de ir além do jogo fácil do aproveitamento de factos sociais para os quais podia contribuir com soluções concretas. Tudo quanto o país precisa é de soluções e, embora seja compreensível que os problemas das populações preencham as agendas dos partidos, não é aceitável que o MPLA mate as populações, atropele as leis, desrespeite as mais elementares regras daquilo que um dia queremos ser, e seremos com certeza: uma Democracia e um Estado de Direito.